domingo, 12 de junho de 2011

O Incrível Peñarol e o Renascimento de Gigantes (Parte I)

Nasce o Mito




Estádio Centenario - 1930

Em 1890, a Empresa Central de Caminho de Ferro (linha férrea), dirigida por ingleses, resolveu erguer as suas novas instalações em um povoado nos arredores de Montevidéu. No ano seguinte, o presidente da companhia, Mr. Roland Moor, decidiu criar uma agremiação esportiva, que teria como carro chefe o jogo do futebol. Nasceu então o Central Uruguay Railway Cricket Club, conhecido pela sigla CURCC, devido à dificuldade dos falantes de língua hispânica em pronunciar o nome correto do clube. A agremiação nasceu com as cores amarela e negra, mesmas cores da empresa que lhe deu origem.



Há quem diga que, durante uma acalorada assembléia em 1913, ter-se-ia decidido mudar o nome da agremiação para tornar mais clara sua “gênese uruguaia”. O nome escolhido teria sido, então, o nome do povoado que lhe serviu de casa: Peñarol. Há também quem conteste esta versão, e diga que o CURCC teria tido apenas seu departamento de futebol desativado naquele ano. O que tornaria o Central Uruguay Railway Cricket Club e o Peñarol dois clubes distintos. O fato é que a versão a respeito da transformação de um clube no outro é melhor aceita, e os 5 títulos do campeonato uruguaio vencidos pelo CURCC fazem parte da conta dos hoje 48 títulos nacionais do Peñarol.


CURCC primeiro campeão Uruguaio - 1900

Impossível, porém, não cometer imperdoável injustiça ao se contar a história da Taça Libertadores da América sem falar em Peñarol. E vice-versa. As duas histórias não apenas se completam maravilhosamente, mas dependem profundamente uma da outra. Assim como o Uruguai é o primeiro campeão das Copas do Mundo, o Peñarol é o primeiro campeão da Libertadores. Mais de cinqüenta mil torcedores assistiram ao primeiro jogo da final de 1960. Estádio Centenario, em Montevidéu. Já trinta e quatro minutos do segundo tempo haviam corrido quando o equatoriano Alberto Spencer fez um a zero para o time da casa. A hinchada carbonera por pouco não pôs abaixo o lendário estádio.


O Gol de Spencer - Peñarol 1 x 0 Olimpia

No dezenove de junho de 1960, diante de mais de trinta e cinco mil torcedores no Estádio Manuel Ferreira, em Assunção, o gol de Cubilla aos 38 minutos do segundo tempo empatou o jogo da volta das finais da primeira edição da Libertadores da América. O um a um na casa do Olimpia sagrou o Peñarol primeiro campeão do torneio. Invicto.


Peñarol - 1960

Há quem diga que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. O ditado elevado ao patamar de fato científico certamente não conhece esta história. Pois o jogo de ida da final da segunda edição da Taça Libertadores aconteceu mais uma vez no Estádio Centenario. Desta vez, diante de mais de sessenta e quatro mil pessoas, o Peñarol enfrentava o poderoso Palmeiras de Djalma Santos, Valdemar Carabina, Julinho Botelho e Chinesinho. Pois aos 44 minutos do segundo tempo, o equatoriano Spencer marcou, como no ano anterior, o gol único do jogo.

O jogo da volta aconteceu no Pacaembu. Onze de junho de 1961. E o treinador palmeirense Osvaldo Brandão viu o atacante uruguaio Sasía abrir o placar logo com cinco minutos de jogo. O Palmeiras ainda empatou com Nardo, aos 24 do segundo tempo, mas o resultado era do aurinegro uruguaio, bicampeão da Libertadores da América.


Peñarol campeão mundial - 1961

No ano seguinte, quis o destino que o Penãrol enfrentasse, já nas semifinais do torneio, seu maior rival, o Nacional. A cidade de Montevidéu ferveu. O Estádio Centenario, um gigante lendário, ficou pequeno. Na primeira partida, mais de cinqüenta e cinco mil torcedores viram o Nacional vencer por dois a um. Para a segunda partida, mais de sessenta mil expectadores. E o equatoriano Spencer fez a diferença, marcando duas vezes na vitória carbonera por três a um. Na época, o regulamento da competição previa um jogo de desempate em casos de uma vitória para cada lado. Mas o gol a mais marcado pelo Peñarol lhe daria a vantagem do empate na terceira partida.

Assim, a vinte e dois de julho de 1962, mais de sessenta e cinco mil torcedores lotaram o Centenario para ver o empate em um a um entre os dois rivais. Gol de Acosta para o Nacional e, adivinhem, Spencer para o Peñarol. O aurinegro chegava à sua terceira final em três edições da Libertadores da América.

O adversário na final seria o Santos. A equipe brasileira estreava na competição. As duas equipes entraram em campo para a primeira partida da final no famoso sistema WM, sistema tático da moda na época, que trazia três zagueiros, dois jogadores no meio-campo e cinco atacantes. Sem Pelé, que só voltaria de lesão para a terceira partida, o Santos levou a Montevidéu jogadores como Pepe, Coutinho, Pagão, Mengálvio, Zito, Dorval, Mauro, Calvet e o goleiro Gilmar.

Como nas duas finais anteriores, Alberto Spencer abriu o placar para o Peñarol no Centenario. Diferente das edições anteriores foi o tempo que o gol demorou para sair. Tendo marcado em duas finais nos últimos minutos da partida, na final de 62 Spencer marcou aos dezoito minutos do primeiro tempo. Os deuses do futebol consideraram cedo demais. Era tempo suficiente para Coutinho empatar (aos 29’ do 1º tempo) e virar o jogo (aos 25’ do 2º).

O jogo da volta aconteceu na Vila Belmiro. Diante de trinta mil torcedores, Sasía abriu o placar para os Carboneros, novamente aos 18’ do primeiro tempo. O Santos, ainda sem Pelé, empatou aos 27’ com Dorval. O segundo tempo começou alucinante. Logo com 4 minutos, Alberto Spencer fez o segundo do Peñarol. Não houve tempo para comemorações. Um minuto mais tarde, Mengálvio voltou a empatar o jogo. Aos 28, Spencer, sempre ele, recolocou o time uruguaio na frente. Pagão ainda chegou a empatar para o Santos no final da partida, e a equipe brasileira deu volta olímpica. No entanto, o árbitro chileno Carlos Robles escreveu na sumula que estava sentindo-se pressionado pela algazarra da torcida santista, e considerou o jogo encerrado minutos antes do gol de Pagão. Os 6 minutos finais da partida eram, portanto, apenas um amistoso. A final havia se encerrado aos 39 minutos do segundo tempo. O resultado oficial era, então, 3 a 2 Peñarol, o que forçava a realização de um terceiro jogo em campo neutro.

A terceira partida foi realizada no Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, para sessenta mil torcedores. Com a confusão em torno da arbitragem, o escolhido para apitar a partida foi o holandês Leopold Horn, ao invés de um árbitro sul americano. O Santos tinha Pelé de volta, mas nem precisava. Aos onze minutos de jogo, Coutinho invadiu a área e bateu cruzado. O meia uruguaio Caetano tentou tirar e botou a criança para dentro do gol. Os santistas consideram o gol de Coutinho, mas a sumula do árbitro holandês marca gol contra. Com um a zero no placar a equipe brasileira era campeã, mas Pelé, como já estava em campo mesmo, para não perder a viagem, marcou duas vezes no segundo tempo. Três a zero Santos, e o Peñarol perdia sua primeira final de Libertadores.





[Alberto Spencer é, até hoje, o maior artilheiro da história da Libertadores. Entre 1960 e 1972, marcou 54 gols defendendo as cores do Peñarol e do Barcelona de Guayaquil]

Assim como fora o primeiro campeão, e no ano seguinte o primeiro bicampeão do torneio, em 1966 o Peñarol levantou o caneco e entrou para a história também como o primeiro tricampeão da Libertadores (fato relevante, visto que a essa altura o brasileiro Santos e o argentino Independiente também já eram bicampeões). O título, chorado, só veio com a vitória na prorrogação do terceiro jogo contra o River Plate. Quatro a dois. Quando ergueu a taça da sétima edição da Libertadores da América em 66, o Penãrol tinha em seu currículo cinco finais (3 vitórias e 2 derrotas) e uma semifinal (derrotado pelo Boca Juniors em 63). Nos quatro anos seguintes, o Aurinegro ainda somaria duas semifinais (derrotado pelo Palmeiras em 68 e pelo Nacional em 69) e uma final em 70, onde foi derrotado pelo Estudiantes de La Plata, campeão das três edições consecutivas.


Peñarol bicampeão mundial - 1966

O Club Atlético Peñarol ficaria até 1982 sem voltar à final da principal competição das Américas. As fases semifinais nesse ano foram jogadas em dois triangulares, e os primeiros colocados de cada um fariam a final. Os Carboneros dividiram o grupo com o River Plate e com o Flamengo de Zico, Júnior, Leandro, Adílio, Andrade e companhia, então campeão mundial. O time uruguaio foi arrasador. Venceu o Flamengo em Montevidéu por 1 a 0 na primeira rodada, fez 4 a 2 no River em Buenos Aires, e voltou a vencer a equipe argentina, desta vez por 2 a 1 em Montevidéu. Na última rodada, enfrentaria o Flamengo no Maracanã precisando somente de um empate, mas repetiu o placar de 1 a 0 a favor e avançou às finais para enfrentar o Cobreloa, do Chile, que chegava à sua segunda final consecutiva (havia sido derrotado pelo Flamengo no ano anterior).

A partida de ida, no Estádio Centenario não saiu do zero. A volta, no também lendário Estádio Nacional, em Santiago, enveredava pelo mesmo caminho, até que o atacante Morena marcou o único gol da final aos 44 minutos do segundo tempo. O Peñarol conquistava o tetra.




Peñarol tricampeão mundial - 1982

O Peñarol voltaria a disputar a final no ano seguinte, mas depois de empatar em um a um no Centenario, seria derrotado pelo Grêmio por 2 a 1 no Estádio Olímpico, em Porto Alegre. Morena foi o autor dos dois gols Aurinegros.


O delantero Fernando Morena

Quatro anos mais tarde, portanto pela segunda vez já em um contexto de crise e decadência do futebol uruguaio, o Peñarol jogaria a final da Libertadores. O adversário desta vez era o América de Cali. A equipe colombiana jogava sua terceira final de Libertadores seguida (havia sido derrotada pelo Argentinos Juniors em 1985 e pelo River Plate em 1986). E em 21 de Outubro, no Estádio Pascual Guerrero, em Cali, o América fez dois a zero para cima dos uruguaios com gols de Battaglia e Cabañas, ainda no primeiro tempo.

A volta foi jogada no Centenario a 28 de outubro. E Cabañas abriu o placar para o América aos 19 minutos do primeiro tempo. Aos 13 do segundo tempo, Diego Aguirre empatou. O título era da equipe colombiana até Villar marcar o gol da vitória carbonera aos 42 minutos do segundo tempo, forçando o terceiro jogo em campo neutro.


O delantero Diego "La Fiera" Aguirre

Três dias depois, em 31 de outubro de 1987, a Libertadores da América foi decidida mais uma vez no gramado do Estádio Nacional, em Santiago. Foram 120 minutos de bola rolando. 45 de zero a zero no primeiro tempo. Mais 45 de zero a zero no segundo. 15 minutos do primeiro tempo da prorrogação, e o placar permanecia em branco. Ao adentrar o décimo quinto, e último, minuto do segundo tempo da prorrogação do terceiro jogo da final, Diego Aguirre marcou para o Peñarol, incrível pentacampeão da América. O técnico peñarolense à época era Óscar Tabárez, hoje técnico da seleção uruguaia, quarta colocada na Copa do Mundo da África do Sul. Diego Aguirre, herói do título, é hoje técnico do Peñarol, finalista da Libertadores de 2011.




Peñarol - 1987

No ano seguinte, o Nacional, eterno rival do Peñarol, seria campeão da América pela terceira vez em sua história. Após a vitória sobre o Newell’s Old Boys, da Argentina, os jogadores do Nacional comemorariam o último título de Libertadores do futebol uruguaio até hoje. Não fosse suficiente, a final de 1988 é, até a próxima quarta-feira, a última final do torneio disputada por um time uruguaio. À exceção do Danubio em 1989 e do próprio Nacional em 2009 (vinte anos depois), o futebol uruguaio não chegou mesmo às semifinais da competição.
A vida da seleção uruguaia não era mais gloriosa que a dos clubes neste período. Com o passado repleto de glórias, seus títulos rarearam a partir da segunda metade da década de 70.

[continua...]

Parte II

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